Lula erra ao minimizar o autoritarismo da Venezuela. Ditadura não é um simples aspecto de narrativa
- 31/05/2023
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Foto: Gabriela Biló
A reunião da cúpula da Unasul (União de nações Sul-americanas) aconteceu no início desta semana e foi provocada pelo Brasil, que recebeu ontem (30) cerca de dez chefes de estado e representantes de governo dos países que compõem o bloco. Porém, o que chamou a atenção de modo mais vultoso não foi a fotografia do final da reunião, mas a maneira que a diplomacia nacional, e o próprio presidente Lula (PT), adotaram ao receber o ditador venezuelano Nicolás Maduro.
O Brasil recebeu Maduro em uma reunião bilateral anterior à cúpula da Unasul. Reuniões bilaterais são necessárias, e relevantes para qualquer nação, e o Brasil mantém uma relação comercial densa com a Venezuela. Portanto, até este ponto não existe nenhuma inadequação. Todavia, quando o Brasil decide receber Maduro com a pompa que recebeu toma um caminho inapropriado, porque mesmo diante da urgência de manter boas relações comerciais, é necessário estabelecer constrangimento defronte a regimes cerceadores.
Em uma entrevista coletiva concedida após a reunião bilateral, Lula chamou o que existe na Venezuela de narrativa, e chegou a dizer que Maduro deveria estabelecer a sua narrativa dos fatos. O que, segundo o presidente Lula, seria a narrativa verdadeira. Essas declarações levaram o chefe de estado brasileiro a um lugar de dissabor, recebendo críticas volumosas no Congresso Nacional, e também na comunidade internacional.
Lula se equivoca ao classificar o que ocorre na Venezuela como narrativa, pois cria a impressão de que tudo que se sabe notório sobre o regime de Maduro é falso, quando os fatos observam uma situação calorosamente diferente. Maduro está no poder há mais de dez anos, e neste período é visível o silenciamento de forças de oposição, além de um claro aparelhamento do sistema de Justiça, já que Maduro tratou acelerar reformas na Suprema Corte do país, ampliando o número de magistrados.
Além disso, não é possível fechar os olhos aos fatos reais. A agência da ONU para direitos humanos aponta que desde 2015 ao menos 7 milhões de pessoas deixaram a Venezuela. Cerca de 6,5 milhões passam fome diariamente, 4,1% das crianças do país sofrem de desnutrição aguda.
Pontua-se que no campo da repressão, dados evidenciam que entre 2016 e 2019 se verificou na Venezuela um número próximo de 19 mil execuções extrajudiciais. Além disso, pondera-se que desde 2014 se anotou ao menos 15 mil prisões consideradas ilegais.
Lula elegeu-se evocando conceitos de democracia e liberdade, portanto, defender qualquer nuance de repressão é no mínimo desarrazoado. É preciso que o presidente não se permita flertar com qualquer regime que tenha conformações repressivas, muito menos julgar plausível a classificação desses quadros como meras narrativas.
O Brasil é um líder global, líder máximo em sua região, e é dessa forma que precisa agir. Nessa linha, a diplomacia e o presidente devem empreitar esforços para restabelecer uma Venezuela livre de amarras arbitrárias e cerceadoras. Neste caso não cabe malversação.
Nas primeiras falas sobre a guerra entre Ucrânia e Rússia, Lula admitiu estar mal informado sobre o tema. Nas falas sobre a Venezuela também pareceu estar. Espera-se que o Estado brasileiro trate temas complexos com a complexidade devida, não se deve voltar ao apogeu da ignorância diplomática, tal qual viu-se na gestão Bolsonaro (PL), todavia, também não se deve ingressar em um caminho de pedras dadas, no qual os fatos são subvalorizados e tudo é posto como uma mera narrativa. Até porque não deve existir uma escala de democracia, deve haver apenas democracia.
O texto reflete a opinião do autor, e não necessariamente refere-se ao posicionamento do Site Miséria.
Por Paulo Junior
Miséria.com.br